O conceito de autarquia refere-se à capacidade de ser auto-suficiente no uso de recursos.
Em texto publicado na edição de novembro do Journal of Industrial Ecology, a análise de dois tipos de autarquia aborda a diferença de ocupação territorial e uso de recursos naturais por populações humanas e os resultados do uso de cada tipo de estratégia.
A proposta do artigo é exemplificar como ocorre a diferenciação e o que lições podem ser aproveitadas para uma dinâmica de ocupação territorial relacionada às atividades econômicas.
O primeiro tipo é o chamado self-consuming e foi adotada na ilha de Mangaia. Este tipo de autarquia utiliza os recursos disponíveis até a depleção dos estoques, com a resultante de colapso. A abordagem self-preserving foi adotada em Tikopia e utiliza os recursos na medida de sua capacidade de regeneração/suporte.
O artigo sustenta que há um ponto de inflexão na história da ilha de Tikopia, que seguia a trajetória de desenvolvimento de Mangaia, quando sua população passou de uma autarquia self-consuming para uma autarquia self-preserving, com base na mudança institucional e cultural. Esta mudança é radical, com incorporação de novas formas de produção mais voltadas para as culturas permanentes e limites para o tamanho da população, em consonância com a já descrita identidade IPAT (impacto diretamente proporcional à população, afluência e tecnologia usada para produzir).
Não é possível, no entanto, extrapolar os resultados encontrados nas ilhas estudadas para sistemas em continentes. No entanto, o conceito de autarquia self-consuming é semelhante ao que temos produzido com relação à depleção de recursos além da capacidade de regeneração e à degradação de ecossistemas em velocidade acelerada para incorporação na economia tradicional.
A passagem para uma autarquia self-preserving envolve fundamentalmente a mesma mudança proposta por Allenby (Industrial Ecology, Principles and Aplications) e até Georgescu-Roegen (The Entropy Law and the Economic Process) para os processos econômicos. Incorporar a visão do sistema Econômico como subsistema do Ecológico, de cujos limites como fonte e sumidouro depende a capacidade de suporte deste sistema.
A organização espacial dos sistemas produtivos, segundo a autarquia self-preserving apresentada pelo autor, envolve a decomposição dos sistemas em unidades funcionais menores, favorecendo uma diferenciação no ecossistema produtivo a partir de uma pressão adaptativa causada pelo aumento da percepção da escassez ecológica.
Esta diferenciação, ressalta o autor, não segue a lógica de melhorias incrementais, mas sim um incentivo suficientemente forte para a inovação e o desenvolvimento de soluções locais baseadas no conceito de economia circular, quebrando a trajetória tradicional de desenvolvimento implantada, com cultura e instituições próprias.
Esta lógica de autarquia, ou ilhas de produção com trajetórias próprias de desenvolvimento, considerando os limites locais para adaptação do que se produz, funciona para a ilha de Tikopia, mas implica em restrição da absorção de outros materiais de fora dos limites da Ilha, ou a redução do comércio com outras ilhas.
Na minha opinião, no entanto, apesar da lógica de autarquia self-preserving servir para a mudança necessária da visão econômica para uma visão de limites e capacidade de suporte, esta mudança necessitaria esta redução do comércio global, segundo o autor. Observando o poder de negociação das nações mais industrializadas e a dependência que elas demonstram de recursos de fora de suas “ilhas de produção”, não consideraria esta possibilidade como uma tendência observável no curto, médio ou longo prazo ou sequer emite um sinal fraco de que seria um tema emergente a ser considerado.
Qual a solução? O investimento chinês nos complexos ecoindustriais, sob o ponto de vista da evolução dos sistemas, faz todo o sentido. Do modo que vem sendo feito, penso eu, o desenvolvimento das ilhas com autarquias self-preserving obedece então à uma escala local de consumo de materiais, extraídos localmente ou não, a partir das demandas globais de consumo.
Para que estas demandas globais resultem em sustentabilidade e menores impactos sob o conceito desejável de self-preserving, no entanto, ainda há que se acelerar a incorporação do conceito de economia circular para a adaptação dos processos produtivos aos limites ecossistêmicos presentes em todo e qualquer local.Esta adaptação necessita daquela mudança institucional e cultural citada no quarto parágrafo e de uma revolução no modo pelo qual consideramos nossos processos produtivos no presente. A utilização das fontes de recursos de forma proporcional à sua capacidade de regeneração e a utilização dos sumidouros de forma proporcional à sua capacidade de suporte.É um desafio tremendo.
Deixe um comentário