O ano de 2020 colocou um desafio gigantesco para pessoas, instituições, empresas e governos. A pandemia de COVID19 exigiu a concentração de investimentos em expansão de redes de saúde, pesquisa científica para redução de impactos, corrida atrás de tratamentos e de vacinas eficazes, para que a sociedade recuperasse seu potencial de produção, as pessoas suas vidas normais, ou no novo normal, e a capacidade produtiva da sociedade voltasse a subir.
Em meio aos esforços globais para enfrentamento do vírus, o enfrentamento da crise do COVID19 colocou à disposição de pessoas, instituições, empresas e governos ferramentas eficazes para redução da transmissão do vírus: lockdowns periódicos para reduzir a capacidade de transmissão, isolamento social, equipamentos de proteção individual obrigatórios, dentre outras iniciativas. A Economia sofreu, porém tem se reduzido o potencial impacto catastrófico, ainda que o combate ao vírus ainda esteja sendo feito e uma possível normalidade ainda não se configure no curto prazo.
Ficou ainda mais evidente, também, que temos um grande gap social. A educação de crianças e jovens ficou grandemente prejudicada, em virtude da exclusão digital e do acesso às tecnologias da informação. Acentuou-se o fosso digital entre as camadas da sociedade que tem acesso a tudo, inclusive teleaulas e teletrabalho, e aqueles cujo trabalho não pode ser digital, e que portanto submeteram-se ao risco maior de contrair o vírus, pois precisam sobreviver.
Yuval Harari em seu livro Sapiens alertou sobre a possibilidade de estarmos dividindo ainda mais a sociedade entre quem tem acesso a tudo e quem a nada tem acesso e assim determinando uma nova bifurcação na história da espécie humana. É a receita para o caos social tornar-nos insensíveis para as necessidades dos demais componentes da tribo.
Outros fatores importantes entram aqui: a epidemia de desinformação também cobrou seu preço, por diversas vezes puxadas por governantes de países com alto poder de influência. Tratamentos ineficazes gerando comportamentos de risco em função da falsa sensação de proteção, grupos anti-vacina e anti-ciência, ancorados em projetos autoritários de poder com extensos grupos de disseminação de falsa informação emergiram com força, contrapondo as necessárias medidas sanitárias e gerando conflitos com potencial de estender o período de crise do enfrentamento do COVID19 por mais tempo.
Seguindo o processo anual de publicação dos principais riscos globais divulgados no Global Risks Report, acreditamos que contribuímos para a divulgação de informação relevante para identificação de cenários, pois representa a visão de tomadores de decisão quanto aos riscos, concretizados no potencial de impacto e probabilidade, e propõe desafios globais, nacionais e locais sobre o que necessita ser feito para aumentar a resiliência dos sistemas que serão impactos pela concretização do risco.
Uma novidade do trabalho é a avaliação do horizonte de concretização dos riscos, relacionado ao curto, médio e longo prazos.
A percepção dos riscos em função do tempo de concretização pode auxiliar a adoção de estratégias de construção de resiliência, com vistas a reduzir ou a probabilidade de ocorrência ou o potencial impacto.
Quanto aos riscos mais evidentes identificados para 2021, ao plotar num gráfico as probabilidades de ocorrência e a intensidade dos impactos, temos as seguintes informações:
Obviamente a pandemia do COVID-19 representa hoje um grande impacto e uma grande probabilidade de permanência, o que a desloca para o quadrante de maior impacto e probabilidade, visto que estamos no meio da crise, que apesar da vacina não nos permitiu ainda estruturar o novo equilíbrio dinâmico. O que se tem de concreto é que há vacinas sendo testadas para o vírus com alto potencial de mutação. Possivelmente este risco pode ser debelado por mais investimentos em pesquisa, mais investimentos em infraestrutura de saúde e equipamentos.
Uma tendência que apareceu em função da conjuntura COVID-19 é a aceleração da preocupação de investidores com os critérios ambientais, sociais e de governança associados à alocação de capital. Uma grande pressão tem sido feita com vistas a incorporar nas réguas econômicas critérios que visem reduzir impactos e probabilidades de ocorrência dos riscos associados aos eventos extremos, às falhas na ação climática, aos danos ambientais antropogênicos, à perda da biodiversidade, os quatro citados como dentre os riscos com maior probabilidade e impacto de ocorrência.
Além disso, a crise do COVID-19 tornou ainda mais evidente que existe um gap de acesso aos recursos disponíveis pela chamada revolução tecnológica dentro das populações dos países, com este gap aprofundando a desigualdade social e concentrando ainda mais poder e recursos nas mãos daqueles que possuem acesso ao capital financeiro, humano e ambiental. Este, em minha opinião, deveria ser um risco classificado como mais provável.
Voltado ao tema do gráfico, um sinal claro de que o “eixo Z do risco ” (aquele que não aparece no documento mas refere-se ao aumento da resiliência dos sistemas sociais e ambientais aos impactos da concretização do risco) está em franca evolução é o desenvolvimento de estruturas institucionais destinadas a identificar, avaliar, monitorar e gerir estes riscos.
Três iniciativas dentre várias outras que tem aparecido no horizonte, no que tange aos riscos mais prováveis e com maior impacto, são o Task Force on Climate-related Financial Disclosures (TCFD), com métricas definidas para mensuração da maturidade de políticas e práticas empresariais em relação à gestão das mudanças climáticas, o filho menor Task Force on Nature-related Financial Disclosures (TNFD), cuja função é desenvolver uma métrica igualmente robusta para o impacto sobre a biodiversidade e a década dos Oceanos do PNUMA, que visa estabelecer os princípios para a governança sustentável dos recursos oceânicos, tendo em vista a ameaça clara de disfunção dos sistemas naturais dos quais depende a vida e a biodiversidade na Terra.
Tais iniciativas visam construir governança, definida um corpo de regras da sociedade para gestão dos temas, colocar os temas na ordem do dia, agregando importância no planejamento dos países como aspecto relevante de gestão e, com isso, promover o desenvolvimento sustentável e a gestão de riscos, diminuindo impacto, probabilidade e aumentando a resiliência dos sistemas.
Duas outras tabelas interessantes que aparecem no trabalho permitem identificar a evolução dos impactos e probabilidades de ocorrência desde 2012. Se é possível retirar uma tendência das tabelas abaixo, é de que os riscos de eventos extremos, das mudanças climáticas e da perda de biodiversidade, dentre outros, apresentam prevalência dentro da tabela de probabilidades de ocorrência.
A tabela de impactos agrega o altíssimo impacto da pandemia sobre a economia e a necessidade de praticamente parar diversos processos econômicos em 2020 e também a ameaça de armas de destruição em massa, sem tirar a urgência do enfrentamento dos impactos advindos dos temas relacionados ao meio ambiente e o consumo do capital natural em taxas superiores ao potencial de regeneração, que pode comprometer sobremaneira a capacidade de suporte do planeta como um todo.
A identificação de impactos e probabilidades e consequentemente os riscos permite antecipar e planejar ações estruturadas para aumentar a resiliência de sistemas, entendidos aqui sistemas sociais, econômicos, ambientais, ecológicos, políticos, dentre outros, e focar políticas públicas e privadas na manutenção e melhoria destes sistemas.
A crise do COVID-19, sem data para acabar, porém com um prognóstico positivo em função das vacinas em desenvolvimento e aplicação, nos permite antecipar as necessidades de redução de desigualdades, estruturação mais eficiente de sistemas de saúde, educação, segurança e infraestrutura, investir na recuperação ecológica como grande área para gerar empregos e renda nos próximos anos, visto a necessidade de reduzir riscos relacionados ao comprometimento permanente e irreversível de recursos ecológicos e às condições que permitem a vida no planeta.
Talvez a crise tenha sido o Wake-up call que a sociedade global precisa para gerir mais adequadamente tais riscos relacionados à sociedade global e ao meio ambiente e reduzir as desigualdades que imputam o maior peso das consequências da COVID-19 às populações mais carentes. Retornando à citação do Harari no livro Sapiens, se a caminhada da nossa espécie é reduzir o sofrimento e caminhar junto em direção à prosperidade, precisamos aproveitar a capacidade de antecipar os riscos e construir esta resiliência, num processo contínuo de inclusão do máximo de pessoas.
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