The worst part of these shifting environmental baselines is that we come to accept the degraded condition of the sea as normal” in The Unnatural History of the Sea – Dr. Callum Roberts
Dr. Callum Roberts, em seu livro The Unnatural History of the Sea, apresenta o conceito de Shifting Environmental Baselines, que refere-se à normalização do estado degradado como a linha de base para as pessoas que interagem com sistemas naturais.
Este conceito propõe que os seres humanos acostumam-se com o estado da natureza degradado e consideram como linha de base esta degradação observada, com indicadores de saúde ecossistêmica alterados pelos processos de degradação.
No caso específico de sua obra, o estado degradado reflete a normalização dos impactos ambientais negativos sobre os ambientes marinhos, com a sobrepesca, a poluição, acidificação, eutrofização, dentre outros impactos, promovendo um novo normal, qual seja, o estado atual degradado pelos impactos antropogênicos como linha de base para estruturação de sistemas de gestão ambiental quanto aos seus impactos, aspectos e riscos ambientais.
Obviamente, a estruturação de políticas ambientais e implementação de seus instrumentos dependem de uma avaliação prévia do estado do Ecossistema onde as atividades econômicas ocorrem e as alternativas de evolução do estado geral deste ecossistema, considerando a meta de estabilidade a qual se pretende alcançar, os custos envolvidos e as interações com as evoluções dos sistemas humanos.
Isto posto, em recente passagem pela cidade de Uberlândia, um incêndio no cerrado me chamou a atenção. A coluna de fumaça resultante da queima de vegetação nativa de cerrado chegava aos céus, causando uma névoa permanente que tinha uma abrangência desde Uberlândia até Ribeirão Preto, em São Paulo.
Estes incêndios periódicos fazem parte do novo normal, o qual inclui também as tempestades de poeira, o atraso no cronograma de chuvas e cujo impacto se fará sentir nas culturas agrícolas que seguem o calendário das estações e chuvas brasileiras, especialmente nas áreas de cerrado.
Em que pese o compromisso do corpo de bombeiros em extinguir as queimadas, o estrago já tinha sido feito, com as perdas em hectares de cerrado intocado, bem como possíveis impactos na umidade do solo que estava sendo preparado para o plantio, bem como da biodiversidade local, com o rompimento das cadeias alimentares e fluxos de energia e matéria dentro do ecossistema, possivelmente com um potencial disruptivo sobre os ecossistemas e biomas locais.
Ao supormos que a alternativa política, baseada nos processos econômicos e sociais locais, seria a recuperação de ecossistemas e não a produção agrícola, teríamos um problema considerável. Um processo de recuperação ecológica demora décadas para ocorrer, se ocorrer, desde que as espécies vegetais e animais tenham tempo para reconstituir as cadeias alimentares desestruturadas.
Um novo normal, portanto, ocorre, com maior condição de degradação e destruição das relações ecológicas construídas durante milhares de anos, com a substituição dos ecossistemas naturais e adaptados por ecossistemas com altas necessidades de inputs artificiais para manterem-se produtivos, sob o ponto de vista das atividades econômicas humanas.
O ponto aqui, trazendo Roberts para a conversa, é o quanto ainda consideramos como normal a perda de ecossistemas complexos dentro dos biomas brasileiros, importantes para gerar o equilíbrio dinâmico do qual dependem também as atividades econômicas humanas, especialmente no que tange ao ciclo hidrológico e à ciclagem de nutrientes, ambos processos importantes para gerar os fluxos econômicos os quais se consideram cruciais dentro da estratégia de desenvolvimento do Brasil vigente, de utilizar seus biomas Cerrado, Amazonia, Pantanal e Campos para gerar resultados econômicos para uma parcela pequena da população enquanto se consome a base natural de recursos comuns.
O estado de degradação que temos presenciado, e que diversas pesquisas tem apontado a escala espantosa de destruição a que submetemos nossos biomas, apontam para uma perda expressiva da capacidade de gerar ciclo hidrológico, de perda expressiva de solos e da perda de biodiversidade associada a este tipo e gestão territorial.
De positivo, citar que a biodiversidade tem subido alguns degraus na consideração de seu valor de existência, com iniciativas privadas de conservação que remetem ao cálculo do custo de degradação dentro das planilhas de custo das empresas, com iniciativas como a Task Force for Nature-Related Financial Disclosure, que tem por objetivo inserir nas informações públicas das empresas o impacto de seus processos produtivos sobre a biodiversidade, com vistas a gerar feedbacks positivos e negativos que permitam uma adequação de estratégias para produção e consumo.
Ao incluir o valor da biodiversidade nas suas planilhas de custos e publicizar o impacto, aspectos e riscos associados a esta exploração, espera-se identificar o problema e trabalhar por meio de políticas, planos, programas e projetos as estratégias para evitar que entremos numa espiral de degradação crescente, deslocando nossas linhas de base em direção à maior degradação. Este é um desafio crucial desta década.
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