Dois artigos publicados no “Journal of Ecological Economics” demonstram uma análise muito interessante para explicar os impactos ambientais sobre os territórios e as mudanças advindas do modelo de desenvolvimento de cada país.
No primeiro, de Andreas Mayer, Willi Haas e Domink Wiedenhofer, os autores investigam a relação entre a acumulação de fluxos materiais e o bem estar humano. De acordo com a tese defendida pela identidade IPAT, o impacto é proporcional à população, à afluência e às tecnologias utilizadas para extração de materiais.
A constatação dos autores é de que durante o século XX aumentamos o consumo de recursos de 8 bilhões de toneladas anuais em 1900 para 71 bilhões de toneladas de materiais em 2010, com o aumento de nove vezes no consumo total de recursos para um crescimento populacional de 4 vezes no mesmo período.
Este crescimento do consumo elevou os padrões de vida da população, com redução da pobreza extrema e aumento da renda e da expectativa de vida, com a consequente pressão sobre recursos como resultado.
O estudo avaliou, quando disponíveis, os dados sobre 148 países no período de 1950 a 2010, com a utilização da Material Flow Analysis (MFA) para identificar os fluxos de massa internos relativos aos metabolismos societários. Os pesquisadores utilizaram o método para avaliar o consumo de biomassa, energias fósseis, metais, minerais para construção e industriais.
Os autores observaram que ao realizar estatisticamente uma análise de regressão, encontrou-se como conclusão que aos países com maiores fluxos de materiais corresponde uma maior qualidade de vida e que a melhoria das condições de vida dos países em desenvolvimento ainda ensejará um aumento significativo no consumo de materiais, com o consequente impacto ambiental associado.
Como conclusão, os autores apontam que para cumprir as metas de desenvolvimento sustentável até 2030 os fluxos de materiais deverão ser aumentados em diversos países que ainda não entraram na fase de expansão da sua infraestrutura, ainda que consideradas as restrições que serão causadas pelo combate às mudanças climáticas e a escassez de materiais estratégicos para este crescimento. Como resultado, a expansão do metabolismo societário nos países menos desenvolvidos acarretará em mais impacto sobre a capacidade biofísica do planeta, visto que a maioria da população ainda vive em déficit de bem-estar.
O segundo artigo aborda os déficits comerciais e biofísicos da economia da América do Sul entre 1990 e 2013. Os autores abordam o período sob o ponto de vista da depleção e degradação causada em cinco países da América Latina (Brasil, Argentina, Colômbia, Equador e Peru) em virtude da sua “especialização” da sua economia em exportação de commodities.
A análise é interessante porque ultrapassa a análise econômica dos termos de troca, demonstrando que esta especialização tem consequências ambientais, resultando numa carga ambiental excessiva sobre os países citados para incrementar seu fluxo de caixa, especialmente em um momento onde os preços globais das commodities estão em baixa.
Ao abordar os dois artigos sob o prisma da intensificação dos impactos ambientais, temos por resultado duas tendências observáveis:
- Aumento dos impactos ambientais sobre os países com déficits de infraestrutura para incrementar a qualidade de vida das suas populações e;
- Incremento dos impactos ambientais negativos gerados pelo consumo de insumos necessários para manter os metabolismos societários de países especializados em produção de commodities com baixo preço e alta demanda.
Os efeitos sinérgicos das duas tendências apontadas nestes dois artigos permite inferir que o Brasil ainda passará por uma fase de consumo mais intenso de material, tanto para suprir seu déficit de infraestrutura quanto para equilibrar sua balança comercial.
Este incremento do consumo de material, no entanto, necessita de uma atenção focada na avaliação ambiental ainda mais refinada, ao contrário do que se observa nas propostas de licenciamento ambiental que vem sendo apresentadas nas duas casas do Congresso Nacional.
As consequências deste incremento de impactos ambientais serão verificadas diretamente na saúde e disponibilidade de solos produtivos, na exploração de minerais e minérios, na importação de insumos produtivos e agroquímicos, no consumo de recursos hídricos renováveis acima da capacidade de reposição do ciclo hidrológico, na pressão exercida sobre o sistema florestal que subsidia o ciclo hidrológico e na capacidade das cidades de absorver as pressões da superpopulação.
Três conclusões podem ser tiradas dos artigos que refletem diretamente as futuras pressões ambientais sobre o Brasil:
- As pressões sobre os recursos não renováveis irão aumentar, em virtude do conhecido déficit de infraestrutura brasileiro e da necessidade de incremento do nosso bem-estar. Minerais e minérios tem papel importante na expansão da infraestrutura.
- As pressões sobre recursos renováveis também irão aumentar, para suprir as necessidades das cidades e de exportação de commodities agrícolas, com o esgotamento de solos e recursos hídricos.
- O ente regulador precisa urgentemente incluir em suas análises os riscos socioambientais advindos desta expansão no consumo de recursos, visando proteger os interesses de longo prazo da sociedade, muitas vezes deixados de lado em função da necessidade de gerar caixa de curto prazo.
A leitura dos dois artigos é muito interessante para quem trabalha com Gestão Ambiental e construção de cenários, especialmente na visão que resulta da consolidação das tendências de longo prazo e novos temas emergentes relacionados à gestão de recursos renováveis e não renováveis estratégicos que já dão sinal de exaustão em virtude do uso excessivo e não racional.
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